Curitiba, 17 de junho de 1929. A cidade parou - ninguém mais fala na sucessão de Washington Luiz e Afonso Camargo, ou dos filmes sonoros em exibição no Palácio. Todos os jornais da Capital - "O Dia", "A República", "Gazeta do Povo" - dedicam a primeira página para o grande acontecimento. Na estação rodoviária, estão concentradas 30 mil pessoas, segundo os cálculos mais otimistas. Tudo isso para receber Didi Caillet, a Miss Paraná que voltava do Rio, onde tirou o 2º lugar no concurso de Miss Brasil, vencido por Yolanda Pereira, que mais tarde, conseguiria ser Miss Universo. Hás um entusiasmo nunca visto. O poeta Leôncio Correia, lágrimas nos olhos, declama perante a multidão, o seu último poema: "Didi Caillet! Aqui n, no centro/Em que tua graça nos sorri,/Didi - encantadora Rainha de Sabá/ Tu te sentirás bem dentro/ Por lindas terras do nosso Paraná." Os jovens curitibanos da classe média, botinhas e chapéu coco, compraram para seus seus carros uma buzina especial que, soada, reproduzia o nome da Miss. Quando ela desceu do trem, procedente de Paranaguá - de onde chegara do Distrito Federal, por navio -, começou a grande festa, que ainda demoraria uma semana. Na redação de "A República", Rua XV de Novembro, Romário Martins pegou sua pena de ganso e preparou a manchete: "A chegada de Didi constitui, numa grande apoteose, a consagração máxima do povo paranaense à sua filha dileta". Nunca venderia tanto jornal como no dia seguinte. Nas páginas internas, transcreveu dois telegramas. Um com a entrevista concedida por Didi Caillet ao repórter do jornal "A Noite", do Rio, e que começava: "Sendo provinciana, ela possui ideias avançadas e, como Da Vinci pensa que se deve renovar ou morrer". Outro, reproduzindo a declaração do Cônego Mac-Dovvel, durante sermão na igreja São Francisco de Paula, condenando os trajes usados pelas candidatas ao concurso. "Estamos assistindo aos funcrais da castidade da mulher brasileira.
Curitiba, 7 de junho de 1969. À noite, em Londrina, será eleita a nova Miss Paraná. Quem é a representante da capital? Pergunta-se na rua a dez pessoas e nenhuma sabe responder. No Ginásio Filadélfia, o apresentador anuncia as finalistas, entre as quais Marilse Piechowiak, de Curitiba. "Quem é o seu autor preferido? indaga-lhe. Os 5 mil presentes, que alguns minutos antes vaiavam, ficaram e silêncio, por um instante, para ouvir a sua resposta. "Bem - começa a moça, vacilante -, o último livro que eu li foi uma enciclopédia sexual. Mas o autor eu não lembro".
Os concursos de misses estão morrendo?
- Não, eu não diria isso. Mas no meu tempo, embora mais comerciais, eles empolgavam a todos. Hoje, sinceramente, já não é mais a mesma coisa - dona Jaira Macedo, Miss Paraná 1938.
- Claro, esses concursos escravizam a mulher - Carmem Silvia Ramasco, Miss Brasil 1967.
- Ah, por favor, não vamos falar nisso. Era tudo tão diferente - Didi Caillet.
- Eu acho que nos Estados há a tendência para a interiorização, isto é, transferir os concursos da capital para uma boa cidade do interior, onde o interesse se torna maior. Mas sou contra a mudança da sede do concurso nacional do Rio, que é a cidade ideal para isso. Só a viagem já constitui um prêmio. Pessoalmente defendo a tese de que os certames não fossem anuais, mas realizados, digamos, de dois em dois anos - Eddy Franciosi, coordenador do concurso de Miss Brasil no Paraná.
Uma miss deve ser, de acordo com os entendidos do assunto mais altas do que de estatura média, mais magra do que o normal , bonita, de preferência uma beleza diferente, dona de personalidade, além de idade entre 17 e 22 anos. Em números, um metro e sessenta e cinco de altura, cinquenta e nove quilos, noventa e dois centímetros de quadris, noventa e dois de busto e cinquenta e nove de cintura. Quanto mais exatas as medidas, melhor. Afinal, por causa de duas polegadas, Marta Rocha, em 1954, perdeu o 1º lugar de Miss Universo.
Da inscrição ao desfile final, há um exaustivo caminho que cada Miss percorre, ouvindo instruções, ensaiando, aprendendo a se desembaraçar, a dar a clássica voltinha na passarela, indo ao cabeleireiro e passando horas intermináveis na costureira. Sempre ao lado da mamãe, de preferência. Depois, as famosas perguntas, com suas não menos famosas repostas.
- Qual é o seu sonho? - Casar e ter muitos filhos.
- Qual o homem que você mais admira? John Kennedy, João XXII e meu pai.
- Qual seu autor preferido? - Jorge Amado e Érico Veríssimo.
- E em música, o que gosta? Ah, de tudo, do Roberto Carlos a Chopin.
Naturalmente, há exceções, como Ângela Vasconcelos, Miss Brasil 1964, que deixou todo mundo de boca aberta, nos bastidores do Maracanãzinho, onde procurava se acalmar devorando "O Processo", de Franz Kafka, e confessou que admirava os quadros de Salvador Dali, os filmes de Orson Wells e que não fazia questão assim de casar logo. "Meu sonho é estudar Arquitetura" - declarou Ângela, para espanto dos repórteres, que anotaram com certo ceticismo, a sua frase tão incomum. Afinal, não era todo dia que uma Miss dizia uma coisa dessas. E o pior é que não se tratavam de respostas ensaiadas - mal ensaiadas, aliás - como daquela candidata que afirmou gostar de ouvir "O Guarani", de Verdi. Anginha, como a chamavam alguns jornalistas cariocas, foi a que mais se destacou entre as 15 eleitas de 1955 para cá, das quais oito representavam Curitiba.
Wilma Sozzi, balconista de uma loja de perfumes, conseguiu se eleger Miss Paraná 1955, quando o concurso se reorganizou, sob o patrocínio dos Diários e Emissoras Associados. Mas., a exemplo de sucessoras, teve um sucesso efêmero, que não conseguiu resistir durante os doze meses de reinado. Assim, Ivony Lour, Karin Japp, Ana Maria Felício Paiva, Schirley Tempski, Maurina Kassemacke, Maria José Nascimento e Ana Maria Gonçalves, nos certames seguintes, não alcançaram a celebridade de uma, digamos, Terezinha Morango. Com exceção, talvez, de Karim, Schirley e, que sabe Ana Maria, mas mesmo assim, no plano universalmente regional.
Então chega o ano de 1963 e, com ele uma lourinha de dezoito anos, chamada Tânia Mara Franco de Souza, cuja beleza iria inspirar os poetas de Guarapuava, sua terra natal. Tânia Mara ficou em 2º lugar no Miss Brasil, e se tornou Miss Brasil Internacional. Eddy Franciosi, o maior especialista do assunto no Paraná, acha que esta moça, entre todas, era a mais caracteristicamente miss, "com muita personalidade e uma graça toda dela!" Tânia casou-se e, no ano passado, os colunistas sociais divulgaram um boato insistente de que estaria para desquitar, fato que ela própria se encarregou de desmentir.
Bastaram 24 horas para que Ângela Vasconcelos, em 1964, passasse anonimamente de sua condição de aluna do Colégio Estadual, filha de pintora e de um coronel do Exército, para a glória de ser chamada de namorada da cidade, título que até hoje, no mês em que se casou, conserva com todo o merecimento. De candidata a Miss Curitiba pelo Círculo Militar, ganhou no dia seguinte a faixa de Miss Paraná. Foi ao Rio, abafou no Maracanãzinho e sentou no trono de Ieda Maria Vargas. Não há provas, mas apenas insinuações, de que os responsáveis pelo concurso de Miss Universo, nos Estados Unidos, procuram agradar a um país de cada vez. Em 1963, fora a vez do Brasil, com Ieda, e em 1964, apesar de sua beleza, altura, inteligência e personalidade, Ângela não terias mesmo chances de conseguir um bi campeonato.
Depois de Tânia e Ângela, a safra piorou bastante. Nem Rosemary Raduí, de Apucarana, em 1965, muito menos Miriam Marçal, em 1966 - eleita por Califórnia, mas derrotada em outra cidade do norte do Estado -, ou Wilza de Oliveira Rainato, em 1967, de Jandaia do Sul, e Delzi Captan, em 1968, de Curitiba, poderiam almejar uma melhor colocação no Rio. E em Marly Simon, a castrense que é agora Miss Paraná, coitadinha, ninguém acreditava mesmo.
Certa vez, a revista Manchete, numa série de reportagens, levantou a questão: "Vale a pena ser Miss"? As eleitas, com as sempre raríssimas exceções, responderam afirmativamente. Na verdade, conforme denunciou mais tarde Carmeme Silvia Ramasco, num programa de televisão, no fundo elas se arrependem - mas onde está a coragem para admitir uma heresia dessas publicamente?
Os compromissos de uma Miss Paraná não são muitos: apenas comparecer a algumas festas e, até a eleição da sucessora, não fazer propaganda de maiôs concorrentes. Mas a Miss Brasil tem que trabalhar muito. Oficialmente, uma viagem por mês. Em cada cidade, ela deve visitar a TV associada, comparecer a uma festa beneficente, visitar a loja da Helena Rubistein, e conceder uma hora de autógrafos.
Tudo isso, sem contar as horas passadas nos estúdios, fazendo poses para anúncios comerciais e fotografias coloridas que ilustrarão as capas das revistas semanais. E em troca do que? No ano passado a Miss Brasil firmou um contrato de 12 meses, por 24 mil cruzeiros novos. Dois milhões antigos por mês. Esse contrato é assinado por todas as concorrentes, antes do concurso. Não apenas por elas, mas também pelo pai ou responsável, mesmo que a moça seja maior de idade. "Para evitar mal-entendidos", esclarecem os responsáveis.
Duas perguntas, duas dúvidas, dois mistérios:
1 - Vale a penas ser Miss?
2 - Os concursos de misses estão morrendo?
Enquanto se discute, todos os anos centenas de jovens - algumas bonitas, outras nem tanto - procuram os promotores do certame e, a voz embargada, repetem o pedido que, pelo jeito ainda continuará a ser feito por muito tempo: "Eu quero ser Miss".
Fonte: Revista Panorama nº 202, julho de 1969 - ano XIX
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