10 de dezembro de 2014

As Artes de Miss Brasil 1964



Qual o seu compositor preferido? - Bach. - E escritor? Jean Paul Sartre. e poeta? Goethe, que leio no original. No camarim do Maracanãnzinho, ainda com a faixa de Miss Brasil, Ângela sofria o bombardeio dos repórteres. Admiradores ao redor, espantavam-se ante as respostas da moça e alguns sorriam incredulamente. "Trouxe tudo decoradinho, aposto..." eles não sabiam entretanto que Ângela transcendia os limites - já invejáveis - de Miss Brasil, acumulando qualidades: é inteligente, culta, poliglota e, sobretudo, possui alma de artista. Ao enfrentar o público, no instante de pisar a passarela, ela deve ter-se recordado de um curioso obstáculo que enfrentou e venceu, anos atrás, em Curitiba. E daí, provavelmente, a sua segurança no decorrer do concurso.
Era festa de final de ano das alunas de um curso paranaense de balé. Algumas meninas haviam dançado (o mais coordenadamente possível) o pas-de-quatre do Lago dos Cisnes. Ângela Teresa, então com doze anos de idade, não quis fazer um número clássico. Achava que tinha personalidade para escolher uma dança mais de acordo com seu temperamento. Optou por um número de palhaço. Mas na hora de entrar em cena caiu em pânico: não se lembrava de um só passo da coreografia. O que fazer? Era impossível recuar. Ângela deu três saltos gaiatos parou no meio do palco e improvisou a dança. Sucesso total. Seus pais, sentados na primeira fila, foram os que mais aplaudiram.
Eles estavam radicados há alguns anos no Paraná, depois de terem residido em diversas cidades brasileiras. Ângela nasceu no Rio, em 1945, quando seu pai, o militar Osni Vasconcelos, cursava a Escola Superior de Guerra. A família mudou-se para Curitiba por volta de 1950, onde a menina começou a frequentar o jardim de infância:
"Tenho uma recordação bem viva daquela época - conta ela. - Eu costumava fugir da aula e entrar pela janela, na classe de Elizabete, minha  irmã um ano mais velha. Renata, irmã caçula era recém-nascida".
 Quando D. Arlete, mãe de Ângela percebeu que sua filha ensaiava passos de dança por contra própria, ouvindo o rádio tocar, inscreveu-a num curso de balé. Ao mesmo tempo a menina começou a estudar francês e inglês. Em casa, aprendia o alemão com a avó paterna, austríaca. Ângela atravessou a infância e a adolescência entre arabescos, glissadas, jetás e piruetas, nas aulas de balé. Tudo levava a crer que seguiria a carreira profissional, quando aos 16 anos descobriu a pintura.
"No princípio fiquei muito impressionada com os quadros de Salvador Dali. Não tanto suas telas surrealistas mas, principalmente, aquele famoso Cristo, visto de cima. Comecei a desenhar, buscando o máximo de informalidade dentro de um critério figurativo. Mas ao passar para o óleo, preferi o abstracionismo. Fiquei feliz quando dois de meus quadros foram aceitos no salão dos Novos do Paraná. Pintar, aliás, já é uma tradição familiar. Gilda Reis Neto, que expôs em São Paulo é irmã de mamãe".
Sua carreira de pintora, n o Brasil, foi interrompida há cerca de três anos, devido à temporária transferência da família para a Alemanha, onde seu pai deveria desempenhar missão militar. Viajando através da Europa, Ângela dedicou-se, principalmente, ao estudo da arte renascentista. Leu bons livros, ouviu boa música, assistiu as bons teatros e ensinou seus novos amigos alemães a fazer feijoada. Recorda:
"Um jovem oficial alemão, fazendo o possível e o impossível para agradar-me resolveu aprender português. Embora eu falasse perfeitamente o alemão, ele achava que não poderia prestar-me maior homenagem. Durante alguns meses ficou ameaçando a sua história em português. Finalmente, chegou o grande dia. O rapaz veio lá em casa e começou a conversar com impecável sotaque lusitano, que me fez cair na gargalhada. Ele tivera aulas com uma professora de Portugal..."
Certo dia, em Munique, Ângela e Elizabete leram nos jornais alemães que Ieda Maria Vargas, brasileira, havia conquistado o título de Miss Universo. Ficaram emocionadas. Escreveram para os parentes, no rio de Janeiro e em Curitiba, pedindo revistas ilustradas que contassem toda a história da eleição de Ieda. Ângela não pensava candidatar-se a coisa alguma, mas descobriu uma afinidade com a morena gaúcha: a exemplo de Miss Universo, ela também havia sido eleita sem maiores pretensões, Miss Piscina do Paraná. Uma pequenina mosca azul passou voando perto e sumiu na claridade do verão europeu.
Regressando a Curitiba, Ângela decidiu viver a sua primeira experiência numa passarela. Conhecido costureiro ia promover um desfile, para o qual solicitava o concurso de moças da sociedade paranaense. A exemplo do que acontecera no dia da dança do palhaço. Ângela imaginou terrível fracasso na hora de desfilar. Estava nervosíssima. Mas, ao dar o primeiro passo, olhou em torno e viu que conhecia quase todos os presentes, aplaudindo-a e sorrindo. Ganhou súbita coragem e pisou decidida. Desse dia em diante, ela jamais viria a temer uma passarela.
 Meses atrás, a revista com a fotografia de Ieda, que recebera na Alemanha, caiu-lhe novamente nas mãos. Pensou em voz alta: "Estou com vontade de candidatar-me a Miss Paraná... Vai servir para quebrar a monotonia da vida e, com um pouco de sorte, posso até ganhar um automóvel..." Da intenção à realização, pouco  tempo correu. Inscreveu-se pelo Círculo Militar do Paraná, derrotando dezoito concorrentes, de diversos pontos do Estado.
 O final feliz de sua história, todo mundo já conhece: a emoção da chegada ao Rio, o favoritismo que a imprensa desde logo lhe dedicou, a feérica noite no Maracanãnzinho, o delírio do público, o cetro, a faixa e o manto de Miss Brasil. O que fará doravante, Ângela Teresa Pereira Reis Neto Vasconcelos, além da viagem a Miami?
"Nada em especial" - diz ela. "Aliás, desde o último sábado, quase não tive tempo para pensar no futuro. Certas coisas acontecem tão repentinamente, que a gente só se dá conta do que ocorreu, de verdade, muito tempo depois. Em primeiro lugar toda a minha família está supernervosa. Eu não... Até que estou bastante calma. Vou continuar o meu curso de Ciências Biológicas para prestar vestibular para Medicina. Talvez venha a dedicar-me a cirurgia plástica, mas isso é uma hipótese remota. De resto, pretendo continuar fiel ao mim mesma, sem alterar a minha personalidade pelo fato de ter sido eleita Miss Brasil e por causa da próxima viagem a Miami, onde tanta gente espera que eu bise a proeza de Ieda. Para mim, o ideal da felicidade terrena é viver em perfeita harmonia com todas as pessoas que me cercam".

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