25 de abril de 2016

Entardecer no Olimpo

Musa dos anos 60, a mais célebre Miss Universo que o país produziu reage com melancolia à passagem do tempo.


Ieda Maria Vargas quando foi eleita Miss Universo em 20 de julho de 1963 e na data da reportagem da revista Época, em 13 de março de 2000.


 A deusa empurrava o carrinho de supermercado quando uma mortal lhe arrancou os óculos escuros com um golpe. As duas encararam-se de rosto nu entre extratos de tomate e conservas de pepino. "Ieda Maria Vargas", exclamou a mulher. "Não acredito que você está assim". A diva sentiu a navalha da indelicadeza perfurar o corpo outrora perfeito... "Sou eu mesma. Você não envelheceu? Eu envelheci". Quando ambas deixaram o supermercado, em Porto Alegre, algo havia mudado no reino das divindades.

Sim, ela mesma. Ieda Maria Vargas, a mais bela do mundo em 1963, gostaria de subverter a roda do destino. Aos 55 anos, desejaria ser mais divina e menos mortal. E abortar o golpe reservado às mulheres, de quem se exige nada menos que a eterna juventude.
Acomodada no trono doméstico, Ieda demonstra ser uma mulher mais interessante que a mocinha de 18 anos batizada de Baby durante o concurso. Naquela ocasião, a miss foi procurada por Peter Sellers para ser estrela de cinema. Deu a resposta recomendada a uma menina de família. "Vou voltar a Porto Alegre, casar e ter filhos", disse ao futuro inspetor Clouseau. Poderia ter sido ela, e não Claudia Cardinale, a brilhar em A Pantera Cor-de-Rosa. Vargas poderia ter sido Cardinale. Teria sido mais feliz?
Ieda voltou ao Rio Grande do Sul, onde distribui até hoje autógrafos pelas ruas. Casou-se virgem com o empresário José Carlos Athanásio em 1968, imune à agitação que sacudia o país. Teve um casal de filhos de parto natural, tomou anticoncepcionais quando ficaram na moda, descobriu o orgasmo depois dos 30. Recusou o previsível convite da Playboy, aceitou comandar cursos de etiqueta. Tragando um cigarro atrás do outro, Ieda suspira: "Dizer que o importante é envelhecer com dignidade é só uma frase feita.
Essa dignidade incomoda"!
Ela era muito jovem quando descobriu a mortalidade. Depois de um ano desfrutando o Olimpo, entregou o cetro à nova divindade. Quando a faixa se transferiu de corpo, os flashes também deslocaram seu foco. Ieda descobriu-se só no palco que a havia consagrado. "Foi a primeira vez que chorei em público. Pensei: sou um objeto".
A miss depois voltou para casa, onde acreditava estar segura para sempre. "Descobri que o mundo fashion não pe fada madrinha", admite. Por isso doeu tanto quando lhe arrancaram os óculos. Porque lhe despiram as vestes da imortalidade dentro de seu reino. Por ter circunscrito sua beleza a território tão exíguo, esperava ao menos tributo de perdoarem-lhe os sinais do tempo.
Sim, Ieda Vargas dobra os ombros ao impossível exigido às mulheres - e às deusas ainda com mais ênfase. Quer voltar aos 58 quilos dos 18 anos. "Estou gorda". Abandonou o biquíni nas areias de Punta del Leste há dois anos. "Não quero que apontem as celulites". Pinta o cabelo desde que pressentiu o primeiro cabelo branco. Jamais é flagrada em público com os óculos de grau que a acompanham há algum tempo. Planeja submeter o rosto ao bisturi.
A menopausa manifestou-se no banco traseiro do carro. "Abra o vidro", ordenava. "Está um calorão". Queixando-se em seguida: "Quer me congelar"? O motorista arriscou o emprego. "Dona Ieda, a senhora não leva a mal, mas acho que está no climatério". Os olhos de mel escureceram e a língua estalou como um açoite: "Cli-ma-té-rio? Tinha só 38 anos.
Como qualquer mulher, Ieda precisa aprender a envelhecer. E se não conseguir? Aquela que um dia foi a mais bela do mundo copia a lição de Greta Garbo. "Vou continuar me cobrindo. E ninguém saberá. Seguirei sendo um mistério". Improvável. No universo de Ieda, sempre haverá uma mortal disposta a arrancar a máscara das divindades.

Fonte: Revista Época, 13/03/2000



3 comentários:

  1. Linda e reflexiva postagem Vera Lúcia. Parabéns!

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  2. Ótima matéria minha amiga VERA. Ieda Vargas sempre foi muito inteligente, pois uma mocinha de apenas 18 anos encarar uma concorrência daquelas no Miss Universo 63 e sair vencedora não pode ter sido fruto de beleza plástica apenas. Além de bela, Ieda sempre teve muito senso crítico e de humor também. Parabéns!

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  3. Queridos amigos Nelson e Evandro, feliz em lê-los aqui no blog. Gosto muito de Ieda e quando bati o olho nesta reportagem não poderia deixar de postá-la.
    adorei a visita de vocês, apareçam sempre.
    Abraços.

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