Anne Frank entrou no "anexo secreto" como uma criança e saiu como um símbolo da perseguição nazista aos judeus
Apesar de anotações de o diário de Anne Frank serem conhecidas em todo mundo como um registro do sofrimento judeu durante a Segunda Guerra Mundial, muitas de suas páginas são exatamente o que ele nasceu para ser: as confidências da vida de uma adolescente. Brigas com a mãe, dúvidas sobre o seu desenvolvimento físico e emocional, paixões e outros temas cotidianos são retratados de forma sincera e singela em muitos dos apontamentos. Anne fala, ainda sobre as privações materiais, o medo contínuo e as esperanças dos Frank e dos Van Pels - família do sócio de seu pai - durante os 26 meses em que estiveram escondidos.
Anne Frank ainda era uma criança quando começou a escrever o seu diário. Presente de seu aniversário de 13 anos, em 12 de junho de 1942, as primeiras páginas do caderno foram preenchidas com seus dias na escola, suas brigas com professores, os passeios com rapazes e com um pouco de sua história. Anne decidiu que seu diário seria como uma grande amiga, a quem chamava de Kitty, e por isso contou-lhe sobre como sua família saíra de Frankfurt (Alemanha) em 1933, para fugir do regime nazista; sobre como era a vida dos judeus em Amsterdam - que fora invadida pelos alemães em 1940 -; sobre seu relacionamento com seus pais e sua irmã e, também sobre como queria que ao escrever nessas páginas pudesse desabafar sobre qualquer coisa. Segundo a garota, o "papel é mais paciente que os homens" e, então, encontrara no diário um confidente.
Nos dias 8 e 9 de julho de 1942, Anne descreve como aconteceu o que eles tanto temiam. Margot, irmã mais velha de Anne, recebeu uma intimação para se apresentar a oficiais alemães para ser levada a campos de trabalho na Alemanha. Diante disso, não houve outra opção para a família Frank a não ser se esconder. Eles, então, foram para o esconderijo. que veio a ser chamado de "anexo secreto"por se tratar de uma área abandonada da empresa do pai de Anne, Otto Frank, em Amsterdam. Era uma área relativamente ampla se comparada aos sótãos e porões em que os judeus comumente se escondiam e já estava sendo preparada há algum tempo por Otto. Havia três cômodos que serviam como dormitórios, cozinha e sala de estar, além de banheiro e um sótão, onde guardavam alimentos. Alguns dias depois, juntou -se a eles a família Van Pels e, meses mais tarde, Fritz Pfeffer, dentista e amigo comum das duas famílias.
Para a garota, acostumada a estar com muitos amigos e envolver-se em diferentes atividades, estar naquele esconderijo era como estar presa. Ela e os outros refugiados tinham regras sobre o uso do banheiro, sobre como podiam andar ou falar e os muitos cuidados que deveriam ter para não correr o risco de serem descobertos. Felizmente, contavam com a ajuda de cinco "protetores", que além de manter o esconderijo a salvo, levavam alimentos, livros, jornais, suprimentos e, acima de tudo, alegrias e otimismo . Eles - ex-funcionários de Otto, que ainda trabalhavam na empresa - despendiam tempo para conversar e levavam presentes nas datas festivas. "Quando o sr. Koophuis entra, o sol nasce - costuma dizer minha mãe e tem muita razão", comentou Anne sobre um dos seus ajudantes.
O que no início ainda era uma novidade, depois de meses, passou a ser exaustivo. Além dos conflitos relacionais, a privação material que a guerra trouxe a todo o país chegou a eles de forma ainda mais rigorosa. As batatas apodreciam, os feijões mofavam e as saladas, que ainda eram frescas e variadas, passaram a repetir-se dia após dia, até serem servidas em dias alternados. "Mas todas estas privações são preferíveis a sermos descobertos", afirmava a garota.
Em março de 1944, Anne escutou no rádio o ministro Gerrit Bolkestein, da Holanda, afirmar que escritos do período de guerra, como cartas e diários seriam interessantes após o conflito. Nesse dia a garota começou a pensar sobre a possibilidade de ter seu diário publicado e, alguns dias depois, comentou que queria ser escritora e, talvez jornalista. "Não quero perder a coragem. Tudo há de se sair bem, pois estou decida a escrever". E assim o fez!
Anne começou a reescrever o seu diário, visando sua possível publicação. Editou textos, excluiu partes que achava desnecessárias e explicou trechos que poderiam estar confusos.
Quando o esconderijo foi descoberto e todos os seus moradores foram levados para campos de concentração, duas das mulheres que protegiam o anexo encontraram o diário e as anotações de Anne. Elas guardaram até o final da guerra, quando apenas Otto, pai da garota, voltou a salvo. A adolescente morreu de tifo no campo de concentração de Auschwitz, um mês antes do suicídio de Hitler. Ao ler o material, Otto decidiu que queria cumprir o desejo da filha e - apesar de ter suprimido alguns trechos - conseguiu que o diário fosse publicado pela primeira vez em 1947. a repercussão foi tanta que teve sua segunda tiragem em 1950 e, hoje, já teve mais de 30 milhões de exemplares vendidos em diversos idiomas.
Se Anne Frank pudesse ver o sucesso do que escreveu, com certeza ficaria satisfeita. Um dia, ao falar sobre o futuro, Anne afirmava que não queria ser como as mulheres comuns, que trabalham para, mais tarde, serem esquecidas. Ela afirmou: "Quero continuar a viver depois da minha morte" e, sem dúvida, alcançou esse objetivo.
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